Não há milagres e isto é tudo muito fácil (embora sendo na verdade relativamente complexo). Ou nos mexemos, e o que capto em primeiro plano é o som compassado dos meus passos (no limite, naquele soalho da minha sala muito barroca que range e ameaça o limiar de pulsão de cada "peça" de madeira) ou a voz que sempre que se faz ouvir reverbera interiormente dez vezes mais, (para não falar do acto de mastigar). Ou, num outro nível opcional, podemos parar, membros rendidos à gravidade, e tudo que obtemos é uma invasão sensitiva muito desconhecida e experimental. Na verdade, - diga-se -, pode-se tornar tudo muito agressivo. Não sei se o que capto mais intensamente é o agora (muito) verde de um outrora negro e indivisível vulto de ramos e troncos e folhas, se os guinchos estupidamente elevados de pássaros em competição (que cuja saudação à humanidade, noutro qualquer momento do dia, receberia de bom grado), se a relva húmida na qual me enterro, e me parece ainda mais verde e longa e fina que o habitual. Com os músculos, muito direitinhos e imóveis, o que se passa diante de mim é um desfile de vaidades, cada um esbofeteia o outro e ganha uns quantos centímetros. Tudo cada vez me parece ainda mais verde, mais ensurdecedor, húmido e intensivamente olfactivo. Talvez seja o instante em que percebemos que, num mundo real, seja o momento de voltar para casa.