"...a voz é outro corpo. É como outro corpo dentro do corpo e, para mim, a ser explorado como o resto do corpo... As palavras têm esta coisa muito curiosa porque são som e sentido ao mesmo tempo. E uma pessoa tanto pode explorar só o seu lado de sentido como pode só explorar o seu lado de som, como pode estar ali a jogar entre os dois. e esse jogo entre os dois é um mundo infindável. É algo que uma pessoa pode não fazer mais nada na vida, senao estar ali a explorar, que é o que faz um poeta... só que pôr a poesia na voz, ter essa cadência no corpo, é uma coisa muito fascinante. Interessa-me usar todos os meios que tem uma performance, na história da tal multiplicidade ser potência..." (vera mantero, revista nexus:00, 2007 )
Soldado - Tu não sabes nada sobre mim. Eu fui á escola. Fiz amor com a Col. Os cabrões mataram-na, agora estou aqui. Agora estou aqui.
(Encosta a espingarda á cara de Ian.)
Vira-te, Ian. Ian - Porquê? Soldado - Vou foder-te. Ian - Não. Soldado - Então mato-te. Ian - Fixe. Soldado - Vês. É melhor levar um tiro do que ser fodido e levar um tiro. Ian - Pois. Soldado - E tu agora concordas com tudo aquilo que eu disser.
Beija muito delicadamente Ian nos lábios. Olham fixamente um para o outro.
Soldado - Cheiras como ela. Os mesmos cigarros.
O Soldado vira Ian com uma mão. Com a outra aponta o revólver á cabeça de Ian. Puxa para baixo as calças de Ian, desaperta as suas e viola-o - com os olhos fechados e a cheirar o cabelo de Ian. O soldado chora convulsivamente.
O rosto de Ian revela dor mas ele permanece em silêncio.
(...)
Ruínas, Sarah Kane. ... na guerra civil.
Li o seu Teatro Completo,.... sinto-me como se me tivessem vomitado em cima. E eu descobrisse nesse acto e na ferida aberta e esquálida e tão pútrida que a obra de Sarah Kane expõe, uma força necessária e intrínseca. Depois, no meio da lama, aparecem estes rasgos de humanidade... e de esperança, ou desespero, não sei bem. (Como a mulher que lambe as lágrimas*...do homem que não a respeita, enquanto este chora e a possui... numa das 20 cenas da peça "Cleansed" - para mim a mais violenta, cruel e vulnerável, de todas.)
*semelhante ao momento "mais inspirado" de toda a escrita de Saramago.
"Os corpos dissidentes da peça dos Nut passam uma hora a construir, a desconstruir e a reconstruir a identidade neste universo em que "somos cada vez mais menos organismo e mais máquina"". (Público)
Da mesma companhia de "4.48 Psicose" (da dramaturga britânica Sarah Kane) (e a apresentar dia 6 de Junho), amanhã no TeCA, no âmbito do FITEI, a peça "Corpos dissidentes", - dos Nut teatro, uma companhia nova galega composta apenas por mulheres. Segundo, Carlos Neira, o director artístico, "o olhar feminino é totalmente um outro espaço de intervenção", "com mulheres os resultados são sempre mais arriscados, são sempre mais directos (...) o trabalho que fazemos não é feminista, mas é feminino. (...) Não no sentido de termos preocupações, mas de termos ocupações: ocupamo-nos do feminino".
"Corpos dissidentes" é sobretudo, uma luta entre a simultânea permanência e obsolescência do corpo enquanto identidade - porque cada vez mais tudo é virtual, e cada vez mais, por outro lado, quase tudo é investido na imagem. Entre o dispensável, e o imprescindível, a evolução é extremada nos dois sentidos, cada vez mais opostos, mas implacáveis na sua coexistência.
O Festival prolonga-se até dia 8 de Junho, e promete trazer ao Porto - algumas salas e praças - daquilo que mais experimental se vai expressando na cena de teatro performativo da Península Ibérica. Programa completo aqui.
O quê? AdA é um festival europeu de artes performativas que cruzam a fronteira entre artes visuais, música, dança e teatro. Onde? Porto (1ª edição). Quando? 10 a 12 de Abril. Como? Aberto a diferentes formas de expressão artística - "porque acredita na arte enquanto linguagem universal em progresso permanente e (que) a performance permite-nos expressar as ideias de forma mais imediata" - e a um público generalizado e de forma massificada, uma vez que grande parte das acções acontecerão em espaço públicos, e pedirão a participação activa das pessoas.
Em forma de viagem, "Esta é uma redescoberta da cidade, dos seus pontos-chave como a Praça da Liberdade e da Batalha, e das suas áreas naturais como o Jardim do Palácio de Cristal e a praia na Foz, mas também pátios e caminhos escondidos na Ribeira."
De certo modo, faz-me lembrar o 1º ano das aulas do Graça Dias, em que suportados n'As Cidades Invisíveis, nos convidavam a intervir no Porto, construindo um filme numa parte da cidade, através da sugestão de um percurso e de uma história. Porquê? Quem assistiu ás aulas do prof. Manuel Mendes sabe perfeitamente, e de cor e salteado que "Space is the appreciation of it" (por Aldo van Eyck) ; e quem assiste ás do (já professor) Gadanho, que "Perception asks for Participation" (por alguem que n me recordo). :)
Como abertura do festival, no dia 10, pelas 18h e na Reitoria da UP, a ConferênciaPAST / ACTION / CUT! que pretende abrir um momento de crítica e reflexão sobre "O passado, presente e futura das Artes Performativas e a sua Documentação". Qual é a obra final? A acção naquele exacto momento? Ou, o vídeo/foto capturada durante a performance? Como é que o meio envolvente – a rua ou a galeria – altera o conceito da acção? Terá ainda o mesmo significado usar os espaços abertos para desempenhar, como no passado? O que aconteceria se uma performance do passado acontecesse hoje? são só algumas das questões que se pretendem responder, ou na impossilibidade disso, apenas discutir.
Paralelamente, e inaugurada no dia 27 de Março no Plano B, está já presente a ExposiçãoAction in the Box, patente até ao data de fecho do festival.
"A Exposição Action in the Box, redescobre a relação entre acção e a sua documentação apresentando vídeos de participantes do AdA festival em acção. A acção, momento de expressão livre, capturado pela câmara, será colocada dentro da caixa: a caixa, o espaço da galeria muitas vezes denominado white cube, mas também a caixa como a tv, o computador ou o leitor de dvd.
Vai estar de novo em cena no TNSJ a peça Turismo Infinito, de 25 de Março a 12 de Abril, cujo cenário é do arq. Manuel Aires Mateus e encenação de Ricardo Pais.
Baseada em textos de Pessoa, leva-nos numa viagem pela pluralidade da sua personalidade, numa experimentação performativa da(s) sua(s) escrita(s), representada aqui por uma sucessão de diversas vozes e personagens - que, porque escrevem, existem -, em monólogos, num tom grave. Já vi a peça em Dezembro, no âmbito do Portogofone, e tenho de admitir que a encenação é genial - negra e trágica, mas com um toque de humor quando é necessário. Por outro lado, o cenário, com um desenho de luz fabuloso, é um dispositivo óptico perpectivado de "um minimalismo brutal" em permanente tensão, que invade a sala, que dá ênfase a cada movimento, que dilata todas as distãncias, que abstractiza e abstrai.
"a opressão a que os dois planos induzem é sublimada pela leveza quase geométrica que eu próprio tentei escrever com as marcações. Cada corpo vai sublinhando a geometria até ela ficar tao integrada que nos é já confortavelmente variável. (...) O cenário, redesenhado pela encenação, com tudo o que isso implique de pretensão minha, permanece tão aberto á explosão como á implosão. Essa é a caracterísstica mais rica da cenografia, que se transforma num lugar contínuo de inesperadas reescritas." Ricardo Pais
Pode ser lida no programada peça, ainda sobre este, a conversa entre João Mendes Ribeiro - que exibe no mesmo espaço a exposição "Arquitecturas em Palco", de 25 de Março a 11 de Maio - e Manuel Aires Mateus, a que se deu o título de "uma nova geometria do espaço vazio".
"the build up..... lasted for days, lasted for weeks"
Uma ideia de memória ou de algo perpetuado no tempo, que, em permanente processo de (des)construção, encontra na incerteza de resposta acabada a sua principal motivação...