16.4.08

cafés.




Gosto de cafés.

O Café é um especial lugar para uma pessoa se encontrar. Com pessoas e com a alma.

Com a alma, não porque consiga de facto “iluminar” mas, porque permite um encontro frontal com o que, livre de influências externas e expostos á realidade cru, pensamos e sentimos, com a maior clareza, sem qualquer subterfúgio.
É daqueles sítios em que mesmo anónima e rodeada de estranhos, me sinto bem sozinha (embora me pareça que tenho de alterar, num futuro próximo, o destino deste meu vício quando tenho vindo a reparar que, mal entro, se inclinam para mim com uma chávena de café com leite pronta, e um pedaço de pão tostado) E mesmo com este súbito reconhecimento, numa cidade que tem tanto dela mesma como de aldeia, um “café” é daqueles poucos sítios em que na verdade, se estiver sozinha, gosto de frequentar.
Prefiro assim expor-me à cidade, na minha condição mais elementar. Ganho a perfeita noção da minha qualidade enquanto pessoa social, enquanto mais uma peça de um grande, desconhecido, estranho e, apesar de tudo, surpreendente, puzzle. Nunca consegui perceber se todas as peças encaixam, mas, como acredito na imperfeição e casualidade das coisas, tenho alguma dúvida que isso verdadeiramente aconteça.
Muitas vezes venho trabalhar, “estudar”, para aqui. Concentro-me mais com o timbre dos copos quando se tocam, o som da máquina de café e dos pratos e das chávenas, as vozes sobressaltadas das pessoas e parte deste movimento apressado, do que com o silêncio, ou o ritmo compassado da música que sempre me acompanha.




Com pessoas, porque é das relaxadas e descomprometidas conversas de café, que saem as divagações mais livres, sinceras e inteligentes. É destes momentos em que se expõem confissões, segredos, ao mesmo ritmo com que se fala das coisas mais triviais.
“Tomar café” nunca é literalmente o fenómeno mecânico que dá sentido à expressão. Não implica sequer a existência de café, ou qualquer outro derivado. “Tomar café” é apenas um pretexto, um motivo, um hábito (e eu sou uma pessoa que gosta de criar hábitos), de ordem social. E é por isso que gosto de cafés, de ver pessoas a falar de coisas tão banais e existenciais como as mesmas que regem a minha e qualquer vida. A explicadora de Português que marca todas as suas consultas aqui, e passa horas a falar de Torga, Cesário e Pessoa; os turistas que vêm do hotel aqui ao lado, falam inglês alto como ninguém enquanto engolem canecas de cerveja dourada qualquer que seja a hora do dia; as pessoas de fato que não percebem que seria bem mais interessante se deixassem os problemas do “escritório” à porta; o encontrar o Sérgio Godinho de vez em quando a rascunhar guardanapos, ou mesmo o Nuno Portas, sempre acompanhado com o cachimbo. Ouvir o Siza filho, numa atitude tão adulta, a folhear uma qualquer revista da especialidade e a dizer (tão alto quanto pode para o amigo) “Olha para isto, este gajo é um burro. Não percebe nada. E é feio.”.

Na verdade, estou neste momento neste mesmo café, e acho que depois de ouvir durante uns minutos, duas pessoas a falar entusiasticamente de arroz de cabidela, e como este se faz, (truques incluídos) começo a ficar enjoada.
E os 3 turistas de hoje, não estão a beber cerveja… um deles, pediu "black tea” e os outros “coke”.
Acho que perdi a credibilidade. Não tenho mais nada a dizer.
(Em minha defesa, quero acrescentar, que, tal como esperado, falam alto. Muito alto.)

6 comentários:

  1. hmm.. saudades do café convívio.. do barulho das ruas do porto.. do pão do froiz.. da nossa casinha.. de vocês.. de ti. :)

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  2. perfeita descrição... do prazer de não ter a ânsia de tornar cada momento inesquecível, pois é nessa rotina que tu achas estranha de saberem o que tu vais pedir, que começa a acontecer a magia, e os momentos especiais.
    Ou então no pinguim vazio discutir os assuntos mais profundos da filosofia humana sem qualquer defesa, dizer o que te vai na alma pois sabemos que quem nos ouve, apenas nos ouve e não nos julga.
    E passar pelo big ben, falando ainda dos temas do Homem.
    Adoro sítios não pretensiosos, e portanto especiais no seu anonimato.
    bjs

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  3. minha lagarta.. também tenho saudades*.
    mil perdoes por nao podermos ir aí (pelo menos, é o panorama que neste momento se prevê). acho que o tempo vago que tivermos vai ser para "turismo cá dentro"... com caderno de viagem debaixo do braço. (e talvez um gps para o caso de...)

    *

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  4. castro.. melhor de tudo, é depois disso, e com os primeiros raios de sol, ouvir o Agostinho da silva a divagar sobre tudo.
    ahah

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  5. gosto deste texto.

    E cheguei ao fim, com a conclusão de que não tomo café vezes suficientes contigo...

    encontras mesmo essas personalidades todas aí no café?

    ah, e "sequer" é tudo junto. "se calhar" pode não ser, mas "sequer" é. grrrrrrrrrrrrr... ;)

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  6. ahah "sequer", claro. :) No outro dia vinha a discutir com a Carine sobre isto, e pareceu-nos que seria obvio separado. Mas já verifiquei e tens razao. :) mas é estranho.

    e sim, tomas poucas vezes café cmg. mas td o que tu fazes cmg me parece pouco.
    :)
    (fui mm "fófinha", agora)

    *
    (essas e mts mais. mas o auge é, sem duvida, o prova. :D )

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